Zé Carioca e o imperialismo americano no Brasil


"A história do Zé Carioca está ligada a uma viagem que Walt Disney fez à America Latina em 1941. O Mundo Vivia sob o impacto da Segunda Guerra. A vinda de Disney - sugestão de Nelson Rockfeller, alto funcionário do governo americano - tinha o propósito de inspirar o desenhista a fazer filmes sobre o nosso continente, como forma de política de boa vizinhança...
A equipe americana esteve primeiramente na região do Lago Titicaca, no Peru, depois na Argentina e finalmente no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro." (Edição histórica Zé Carioca 60 anos)
Introdução


A historiadora Thais Garcia de Oliveira Rocha em seu artigo publicado recentemente na revista Tempo nos ajuda a entender como os EUA usaram os meios de comunicação para exercer sua soberania.


Passadas a primeira e a segunda grande guerra os EUA se tornaram a grande potencia mundial, a maior economia do mundo. Com a Europa devastada os governantes americanos temiam a propagação do comunismo no velho continente, para eles aqueles países em ruína eram mais propensos ao radicalismo e revolução social divergentes da sociedade de livre comércio.

A revolução russa de 1917 tinha se mostrado eficaz transformando a Rússia numa potencia mundial. A situação agora era diferente. A Rússia era um país devastado pela guerra. Conforme Hobsbawm (1995, p. 231) "...enquanto os EUA se preocupavam com o perigo de uma possível supremacia mundial soviética num dado momento do futuro, Moscou se preocupava com a hegemonia de fato dos EUA, então exercida em todas as partes do mundo não ocupadas pelo exército vermelho”.

Os americanos temiam que o comunismo chegasse aos países europeus e A Rússia temia a expansão americana. Por ser uma democracia a política americana de contenção soviética aconteceu de modo sutil através da construção de um sentimento de perigo mundial. Os americanos imbuídos do sentimento de que sua missão (intervencionismo) era de levar a democracia a todos os oprimidos (ao mesmo tempo expandindo sua economia) usou de uma arma peculiar para convencer os americanos e o mundo de que o estilo de vida americano era superior (ufanismo): a cultura*.

Desde o início do século XX os EUA criaram políticas expansionistas para legitimar sua intervenção em outros países. Por exemplo: O Big Stick (Polícia internacional do Ocidente), uma política mais branda através da promoção de filmes nos estúdios de Hollywood³ que promoviam a política de boa vizinhança¹ e o ufanismo americano² pós-guerra (engrandecer o estilo de vida americano em detrimento do inimigo). 

A produção de quadrinhos: "Os quadrinhos tiveram um importante papel na construção do mal soviético, tanto internamente quanto externamente. Sua alta circulação e seu fácil acesso permitiu que a mensagem fosse divulgada em várias partes do mundo, inclusive na Índia, que chegou a adaptar alguns personagens americanos.(ROCHA)" 

Exemplos: O Quarteto Fantástico, Homem Aranha, Homem de Ferro, O Incrível Hulk, Capitão América.

  

 

No Brasil, irei me deter a construção da figura do Zé Carioca que é o representante do Brasil entre os animais falantes do Walt Disney. Para isso irei ter como base o artigo de Roberto Elísio dos Santos - Zé Carioca e a Cultura Brasileira.


A construção da figura do papagaio Zé Carioca se insere no contexto da política de boa vizinhança americana. Os quadrinhos da Walt Disney se caracterizam por possuir elementos culturais dos países em que estão inseridos os personagens. Zé Carioca é um exemplo que veremos mais a frente.

A Origem e características do personagem


"..., Zé Carioca cumpria uma função política: integrar os países da América Latina ao esforço dos aliados" (SANTOS). Para isso, os produtores procuraram eleger alguns elementos culturais brasileiros para a formação do personagem como a cordialidade, simpatia, malandragem, esperteza, indolência, etc.


Segundo Santos, percebe-se quatro fases na construção do personagem Zé Carioca:


I - Fase americana (1942-44): produzido por artistas americanos abordam suas tentativas de subir na vida sem esforço, através da malandragem.


II - Fase de transição (1955): Produzido pelo quadrinista argentino Luis Destuet Zé Carioca se torna um adjuvante nas aventuras protagonizadas por Donald e seus sobrinhos.


III - Fase de adaptação (1961-1970): Produção brasileira. Tem como característica envolver o personagem no cotidiano brasileiro cercado de elementos que caracterizam a cultura nacional.


IV - Fase de assimilação (1971-1990): Aqui o papagaio já está imerso na realidade brasileira de país em desenvolvimento (miséria, dívida externa, ônibus lotado, falta de água em casa) e suas principais características foram aguçadas: aversão ao trabalho, preguiça e malandragem.





Como almoçar de graça (1942)

Zé Carioca e o Goleiro Gastão (1961). 
Ed. 1311, (1976) Retratando a dívida externa brasileira.
"Zé Carioca harmoniza o paradoxo de cordialidade e malandragem, não como contradição, mas como condição intríseca de sua personalidade..." (SANTOS). Ele não é pobre nem rico, sua malandragem é buscar ter uma vida boa, curtir o momento, desfrutar do conforto, etc.


Mickey é aquele que obedece as leis. Pato Donald e Zé Carioca são os excluídos da sociedade. Enquanto Donald luta para ser aceito sem sucesso, o Zé recusa a se submeter a regras rígidas, tem resistência a integração (casamento, família e trabalho). O Zé Carioca absorveu características de personagens presentes na cultura brasileira. Por exemplo: Jeca Tatu e Macunaíma (indolência e malandragem).


A produção do Zé Carioca a princípio de origem americana, com o tempo foi ganhando contornos mais brasileiros incorporando o arquétipo popular - o malandro que vive em situações comuns ao ambiente nacional (samba, carnaval, futebol, folclore, etc). O Zé Carioca é a evolução do malandro brasileiro.






Evolução da Vestimenta do Malandro


* Fim *



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¹ Política de boa vizinhança: tornou-se a estratégia de relacionamento com a América Latina no período. Sua principal característica foi o abandono da prática intervencionista que prevalecera nas relações dos Estados Unidos com a América Latina desde o final do século XIX. ...adotou-se a negociação diplomática e a colaboração econômica e militar com o objetivo de impedir a influência européia na região, manter a estabilidade política no continente e assegurar a liderança norte-americana no hemisfério ocidental. 
² Se vangloriar através da cultura, como uma sociedade moderna, capitalista, livre,  com bem-estar social, tecnologia de ponta, etc... "o american way of life seria divulgado, principalmente pelos filmes, propagandas e literatura, como os quadrinhos".  


³ Os estúdios de Hollywood além de entreter tratavam de temas que interessavam as pessoas, ficção, efeitos especiais. 

Fontes:

Hobsbawn, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX 1914-1991. SP, Companhia das Letras, 1995


SANTOS, Roberto Elísio dos. Zé Carioca e a Cultura Brasileira. INTERCOM XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - BH, 2002.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/RelacoesInternacionais/BoaVizinhanca


http://pt.wikipedia.org/wiki/Soft_power



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